terça-feira, 1 de junho de 2010
Propaganda do Partido Republicano
De momento importava difundir uma imagem de tranquilidade e para isso o P. R. P. estava disposto a assinar o manifesto que foi publicado nos “grandes quotidianos de Paris, Londres, Berlim, Roma, Madrid, Rio de Janeiro e Nova Iorque”, garantindo a próspera condição material e moral do povo português. O país trabalhava, fazia progressos, mostrava-se enérgico e criativo. Em todos os ramos da economia os resultados eram animadores. Nada disto se devia aos méritos do governo ou da dinastia reinante. Pelo contrário. O partido republicano garantia a existência de um divórcio entre este povo tão empreendedor, tão enérgico, tão criativo, e os que o governavam, sendo estes um empecilho para o desenvolvimento harmonioso da nação. O único problema do país era, pois, de natureza política, e facilmente se removeria com uma revolução pacífica e benfazeja.
A larga difusão desta “nota oficiosa” não provocou celeuma alguma no interior do partido. As suas afirmações, embora opostas à linha propagandística do movimento republicano, foram entendidas como uma necessidade estratégica e não afectaram em nada o crédito daqueles que continuavam a proclamar a agonia da pátria e do povo. Guerra Junqueiro mantinha o estatuto de poeta oficial do partido e pouco depois era nomeado embaixador da república junto da Confederação Helvética. Os dois agentes da ofensiva europeia, José Relvas e Magalhães Lima, entenderam que tinham prestado um alto serviço à república, e no final dos seus dias cada um deles incluiu nas memórias que deixou a transcrição literal do famoso manifesto, em que se podem ler estas reconfortantes palavras:
“O país trabalha, quer progredir, e aguarda com impaciência o advento de novas instituições que sejam inspiradas em ideias e sentimentos patrióticos. Possui todas as condições para criar uma nova existência, assim como um belo futuro.
A agricultura, sua principal força económica, está, apesar de tudo, em progresso. A indústria desenvolve-se consideravelmente, o que se verifica na iniciativa de novas empresas e no progressivo aumento da importação de matérias primas. O seu comércio cria todos os dias novos mercados. Daqui resultará o mais sério desenvolvimento, assim que forem assinados novos tratados de comércio. São conhecidas as suas maravilhosas colónias em áfrica, das quais só o entreposto de Lourenço Marques, pela sua posição em relação aos Estados do sul, assegura aos interesses comerciais, agrícolas e industriais de Portugal um mercado excepcional.
A província de Angola, quando tiver uma administração política inteligente, verdadeiramente patriótica, tornar-se-á uma fonte de riqueza, um elemento de prosperidade nacional…”
(Magalhães Lima, Memórias e Trabalhos da Minha Vida, Vol. 1.
José Relvas, Memórias Políticas, Vol. 1)
Apesar deste acesso de moderação, o tema do país miserável continuou a ser largamente explorado até à exaustão, no combate pela mudança de regime. Sempre que se falava dos adiantamentos à família real realçava-se o contraste entre a riqueza dos príncipes e a pobreza da nação. Assim se continuou a alimentar o mito do povo ultrajado, que esperava o dia da justiça, o “dies irae” de que fala a Bíblia. O tema do “ódio santo” e do “dies irae” é tão frequente na literatura republicana, que ainda nos nossos dias um professor catedrático de história, especializado na época da primeira república, dedica toda a primeira parte de um livro seu (Oh a República!) a esta matéria, surpreendendo-se por não ter sido mais violento o “dies irae”, quando finalmente se implantou a república. Se tivesse lido com mais atenção os manifestos europeus do Partido Republicano, talvez reconhecesse haver razões para duvidar da sinceridade dos queixumes que alimentaram os comícios, os jornais, os panfletos e os discursos parlamentares durante duas décadas, e assim ficaria mais disposto a aceitar o espírito conciliador de uma parte dos vencedores do 5 de Outubro.
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