Afonso Costa

Afonso Costa
Personagem Emblemática do Partido Republicano

E qual a situação politica portuguesa aquando da fundação do PRP?

Nessa altura (1876), a monarquia liberal navegava por fim em velocidade de cruzeiro. Em 1851, o marechal Saldanha liderou um pronunciamento que terminaria com os conflitos e indefinições entre os liberais, e que se arrastavam desde o fim da Guerra Civil. Os setembristas foram então definitivamente afastados, o exército voltou para os quartéis, e a politica tornou a fazer-se nos ministérios, parlamento, e jornais, e já não tanto na rua.
Apesar de algumas tentativas de regresso a um passado recente (ex. revolta da Janeirinha de 1868), as décadas de 50 e 60 do séc. XIX foram de consolidação da prática politica liberal.
A nova estabilidade permitiu potenciar as qualidades de grandes vultos políticos, como Rodrigo da Fonseca, e o emergir de novos talentos, como Fontes Pereira de Melo, e estimulou a iniciativa privada, que começava timidamente a autonomizar-se da protecção do Estado.
A monarquia liberal era por então um regime que estava a par dos mais progressistas da Europa: fora percursor na abolição da escravatura e da pena de morte, e dispunha de uma legislação protectora e respeitadora dos direitos dos cidadãos (destaque para a o Código Civil do visconde de Seabra, publicado na mesma altura – 1866 – da carta de lei que aboliu a pena de morte).
Portugal era um país onde se gozava de amplas liberdades, e onde se podia chegar ao sucesso pelo mérito (apesar da profusão de novos títulos, estes eram sobretudo conferidos para premiar os homens que se distinguiam no regime e na sociedade, muitos vindos da classe média, e até das classes mais baixas da população).

No referente ao poder executivo, Fontes Pereira de Melo (Partido Regenerador), o politico mais consistente do seu tempo, ocupava desde 1871 a presidência do Ministério, e aplicava com energia o seu programa de fomento.
Finalmente, o pacto da Granja (fusão de históricos e reformistas em 1876, de onde nasceu o Partido Progressista), criara as sonhadas condições para a alternância no poder entre dois grandes partidos, que se assumiam como defensores do regime.
O reino vivia então tempos de estabilidade e progresso material como há muito não conhecia. Tal legitimou que Portugal voltasse a pensar na reconstrução de um império colonial, e numa altura em que toda a Europa começava a ter os olhos postos em África.
A partir da segunda metade da década de 1870, os portugueses entusiasmaram-se com a epopeia da autêntica redescoberta portuguesa do continente africano, liderada pela Sociedade de Geografia e pelo ministro Andrade Corvo, e protagonizada por aventureiros e exploradores como Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo, ou Roberto Ivens.

Porém, estes sucessos não conseguiam camuflar por completo as duas principais debilidades do regime: o liberalismo saído da guerra civil de 1832/34 solidificou-se por entre revoluções e pronunciamentos alternados de duas facções antagónicas: os cartistas, defensores da Carta de 1826 e de um modelo conservador, centrado na figura do rei, e os vintistas, logo setembristas (desde 1836), que pugnavam pela reposição da Constituição de 1822, de inspiração radical e base parlamentar, e que sancionava uma verdadeira república com rei.
Contas feitas, entre 1834 e 1851 o regime liberal conseguiu afastar os dois extremos políticos que o ameaçavam: os tradicionalistas, apoiantes do rei D. Miguel e vencidos na guerra civil, e os radicais, defensores da Constituição “democrática” de 1822, e definitivamente vencidos em 1851.
O afastamento de conservadores e progressistas fez com que a base de apoio do regime liberal se alicerçasse num imenso “centrão”. Por seu lado, a prática politica que se desenvolveu graças às particularidades da Carta Constitucional de 1826, levou a que o rei deixasse de ser um árbitro, ou moderador, para se tornar protagonista do jogo politico, com papel decisivo na formação e destituição dos governos.
Tal facto acabou por tornar a figura do rei alvo de todo o tipo de criticas, usadas também pelos partidos do regime como forma de o pressionar politicamente.
Estas particularidades, junto com circunstâncias conjunturais, serão habilmente exploradas pelos republicanos durante a sua incerta mas audaciosa caminhada rumo ao 5 de Outubro.

Fundação do PRP

1876 - Fundação do Partido Republicano
1910- Proclamação da República

O Partido Republicano Português (PRP) foi fundado em 1876 por um grupo de amigos descontentes com o regime liberal português, e entusiasmado com os recentes triunfos republicanos em Espanha (República instaurada em 1873, mas que cairia nesse mesmo ano de 76) e França (regresso da República em 1870 – III República).
Em comum a estes fundadores do PRP, a inquietação intelectual, a influência e herança dos setembristas que não se integraram na regeneração e, sobretudo, o desejo de dotar Portugal de instituições republicanas, isto é, mais do que alterar o regime, libertá-lo do pequeno grupo que gravitava em redor dos dois partidos que controlavam o poder e o Estado, de forma a permitir a todos os cidadãos iguais direitos de participação cívica. No fundo, o que a maioria deste grupo pretendia era “republicanizar” a monarquia, algo com que muitos monárquicos estavam de acordo.
Claro que estes primeiros republicanos adoptaram também como seus alguns dos temas caros à esquerda monárquica liberal (como o anticlericalismo), e outros ciclicamente agitados por gentes oriundas de todos os espectros políticos (como o iberismo).
A união ibérica (ou dos povos da ibéria) chegava a ser defendido por alguns com o mesmo ardor com que depois combatiam o centralismo de Lisboa. Os republicanos dos primeiros tempos defendiam o regresso às tradições municipalistas, que começaram a perder protagonismo com o advento do Estado Absoluto (séc. XVIII), e foram definitivamente esquecidas com a chegada do regime liberal, de clara vocação centralizadora.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Propaganda do Partido Republicano


De momento importava difundir uma imagem de tranquilidade e para isso o P. R. P. estava disposto a assinar o manifesto que foi publicado nos “grandes quotidianos de Paris, Londres, Berlim, Roma, Madrid, Rio de Janeiro e Nova Iorque”, garantindo a próspera condição material e moral do povo português. O país trabalhava, fazia progressos, mostrava-se enérgico e criativo. Em todos os ramos da economia os resultados eram animadores. Nada disto se devia aos méritos do governo ou da dinastia reinante. Pelo contrário. O partido republicano garantia a existência de um divórcio entre este povo tão empreendedor, tão enérgico, tão criativo, e os que o governavam, sendo estes um empecilho para o desenvolvimento harmonioso da nação. O único problema do país era, pois, de natureza política, e facilmente se removeria com uma revolução pacífica e benfazeja.

A larga difusão desta “nota oficiosa” não provocou celeuma alguma no interior do partido. As suas afirmações, embora opostas à linha propagandística do movimento republicano, foram entendidas como uma necessidade estratégica e não afectaram em nada o crédito daqueles que continuavam a proclamar a agonia da pátria e do povo. Guerra Junqueiro mantinha o estatuto de poeta oficial do partido e pouco depois era nomeado embaixador da república junto da Confederação Helvética. Os dois agentes da ofensiva europeia, José Relvas e Magalhães Lima, entenderam que tinham prestado um alto serviço à república, e no final dos seus dias cada um deles incluiu nas memórias que deixou a transcrição literal do famoso manifesto, em que se podem ler estas reconfortantes palavras:

“O país trabalha, quer progredir, e aguarda com impaciência o advento de novas instituições que sejam inspiradas em ideias e sentimentos patrióticos. Possui todas as condições para criar uma nova existência, assim como um belo futuro.

A agricultura, sua principal força económica, está, apesar de tudo, em progresso. A indústria desenvolve-se consideravelmente, o que se verifica na iniciativa de novas empresas e no progressivo aumento da importação de matérias primas. O seu comércio cria todos os dias novos mercados. Daqui resultará o mais sério desenvolvimento, assim que forem assinados novos tratados de comércio. São conhecidas as suas maravilhosas colónias em áfrica, das quais só o entreposto de Lourenço Marques, pela sua posição em relação aos Estados do sul, assegura aos interesses comerciais, agrícolas e industriais de Portugal um mercado excepcional.

A província de Angola, quando tiver uma administração política inteligente, verdadeiramente patriótica, tornar-se-á uma fonte de riqueza, um elemento de prosperidade nacional…”

(Magalhães Lima, Memórias e Trabalhos da Minha Vida, Vol. 1.
José Relvas, Memórias Políticas, Vol. 1)

Apesar deste acesso de moderação, o tema do país miserável continuou a ser largamente explorado até à exaustão, no combate pela mudança de regime. Sempre que se falava dos adiantamentos à família real realçava-se o contraste entre a riqueza dos príncipes e a pobreza da nação. Assim se continuou a alimentar o mito do povo ultrajado, que esperava o dia da justiça, o “dies irae” de que fala a Bíblia. O tema do “ódio santo” e do “dies irae” é tão frequente na literatura republicana, que ainda nos nossos dias um professor catedrático de história, especializado na época da primeira república, dedica toda a primeira parte de um livro seu (Oh a República!) a esta matéria, surpreendendo-se por não ter sido mais violento o “dies irae”, quando finalmente se implantou a república. Se tivesse lido com mais atenção os manifestos europeus do Partido Republicano, talvez reconhecesse haver razões para duvidar da sinceridade dos queixumes que alimentaram os comícios, os jornais, os panfletos e os discursos parlamentares durante duas décadas, e assim ficaria mais disposto a aceitar o espírito conciliador de uma parte dos vencedores do 5 de Outubro.

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